terça-feira, 20 de julho de 2010

A violência cotidiana - por Maria Elisa Horn Iwaya

O Brasil é um país machista, que construiu sua democracia calcada na divisão desigual de poder(es) entre homens e mulheres. No momento em que se estabelece essa “divisão” da sociedade, criam-se hierarquias, que suportam o mito da eterna “inferioridade” da mulher. Nesta lógica, se a mulher é mais “fraca, frágil e menos inteligente” que os homens, o uso da violência torna-se quase “natural”. Não vivemos uma realidade isolada, e com a publicação de pesquisas sobre a violência, de vez em quando nos damos conta da gravidade e parecemos escandalizados, duvidando dos números, achando-os irreais. “Dez mulheres são mortas por dia no Brasil” ¹, “Setenta por cento dos assassinatos de mulheres são praticados por seus parceiros masculinos”²:
[...] Nos Estados Unidos, uma mulher é espancada por seu marido ou parceiro a cada 15 segundos em média, enquanto uma é estuprada a cada 90 segundos. E na Inglaterra, duas mulheres por semana são mortas por seus parceiros. Na França, 25 mil mulheres são violentadas a cada ano. De acordo com a Anistia, o número de vítimas reais de abuso deve ser muito maior, devido ao estigma que inibe denúncias. Todos os anos, dois milhões de meninas entre 5 e 15 anos são obrigadas a se prostituir. O tráfico de mulheres movimenta atualmente US$ 7 bilhões por ano, segundo a Anistia Internacional.
Mas os números não mostram as pessoas. Os números são os números, e servem para nos sensibilizar, em um momento em que estamos tão incapazes de nos comover com a violência, em que esta está tão “naturalizada” que só a colocamos em questão quando ela se apresenta em nossa frente, dentro das casas, no colégio, no noticiário, atrapalhando o almoço das famílias e o comentário esportivo pretensamente “engraçadinho”. Nos últimos dias casos de violência tem ganhado espaço na mídia. O futebol, além da notícia da derrota da Seleção na Copa, traz sobre a manchete “Caso Bruno”, um exemplo desta violação cotidiana.
Questiona-se, em primeiro lugar, por que alguns setores da imprensa insistem em dar o nome do jogador à investigação. O, oras, acaso é ele a vítima? Esconder o nome das pessoas também é uma forma de “desumanizá-las”. Em um primeiro momento, tratava-se da questão como se a vítima, Eliza, fosse uma “mulher fácil”, portanto quase “culpada” pela violência que sofreu repetidas vezes. Tendo feito boletim de ocorrência, perícias, exames de gravidez, foi à imprensa para dizer que estava sendo ameaçada e, sem explicações, está desaparecida há quatro semanas. A polícia procura seu corpo, a família já não tem esperanças de encontrá-la com vida e sobre o jogador, principal suspeito do crime? Este ainda nem foi convocado pela polícia a depor.
Outro caso de violência, ainda mais grave por se tratar de uma menor de idade, ocorreu em Florianópolis, onde uma menina de 13 anos foi estuprada por colegas da mesma idade, estudantes de um colégio particular da capital. Este crime teria sido “abafado”, e só começa a ser revelado agora, pois os agressores envolvidos fazem parte de famílias influentes da cidade. Este crime foi noticiado nas redes sociais antes da mídia televisiva e impressa se manifestar a respeito. O nome da estudante e dos agressores corre em sigilo. Um dos agressores teria inclusive se “vangloriado” do feito em sua página de relacionamento na internet.
Alexandre Thomé Ivo Rojão ganhou os noticiários do país em um domingo de jogo, em que torcia com um grupo de amigos. 14 anos, homossexual, foi torturado e morto por estrangulamento. A polícia não tem dúvidas da motivação do crime: homofobia.
Estes casos encaminham-se, aparentemente, para um desfecho sem investigação nem punição de culpados, o que reforça a sensação de impunidade deste tipo de crime e estimula os agressores a continuarem a agir livremente, dando a impressão de que algumas pessoas estão “fora” do alcance das leis. Nos discursos sobre este tipo de violência, ainda coloca-se a culpa na mulher, como se esta fosse “co-responsável” pelo ocorrido, sendo “fácil” ou “promíscua” e “aproveitadora”, quase tendo provocado a agressão.
Cabe a nós, mulheres e homens que defendemos outro modelo de sociedade, livre da exploração de classe, “do homem pelo homem”, onde as pessoas não são objetos, onde os corpos não estão à venda para consumo rápido, não aceitar a violência sob nenhuma hipótese e combatê-la. Saber ler além da mídia, perceber na luta pela eqüidade de gênero um fator fundamental para a construção de uma nova sociedade, construir uma plataforma de governo avançada, que pense políticas públicas contra a homofobia, o machismo e o racismo são obrigações de todas as pessoas e precisam se concretizar em ação, neste momento histórico, em que temos a real possibilidade de elegermos a primeira mulher presidenta do Brasil.
1 Fonte: http://noticias.r7.com/brasil/noticias/dez-mulheres-sao-mortas-por-dia-no-pais-diz-estudo-20100704.html acesso em julho/2010.
2 Fonte: http://copodeleite.rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=62 acesso em julho/2010

Maria Elisa Horn Iwaya é estudante de história e diretora do DCE UNIVILLE.


Fonte: site da UNE

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