Nós, mulheres reunidas no III Encontro de mulheres da UNE, reafirmamos a necessidade do combate ao machismo na nossa sociedade, em todos os espaços. Enquanto universitárias percebemos que o espaço da universidade também precisa ser transformado. O machismo continua latente tanto nesse espaço quanto no movimento estudantil. No sistema capitalista, a cada dia, os donos do poder reinventam a opressão na forma de novos padrões de beleza e de consumo. A Universidade continua tratando a nós, mulheres, como seres invisíveis à ciência, o que ajuda a manter as relações de poder na sociedade. Somente a ação das mulheres organizadas é capaz de superar essas e outras expressões da opressão.
Nos últimos anos, os EMEs e a organização permanente das estudantes permitiu que a UNE incorporasse bandeiras feministas em sua agenda política. Frente à ofensiva conservadora contra as mulheres, a campanha da entidade pela legalização do aborto que contribuiu para pautar, na problemática do aborto da sociedade brasileira, o direito das mulheres sobre seus corpos e suas vidas.
Avançamos em vários aspectos, mas ainda percebemos a desqualificação das mulheres nos espaços de militância. O movimento estudantil e os espaços políticos ainda são composto majoritariamente por homens. A luta e a militância das mulheres continua sendo colocada em segundo plano. São muitos os exemplos das relações de opressão no interior do ME que precisam ser superadas. O combate ao machismo no movimento estudantil é atual e necessário para que este seja uma ferramenta de transformação desta sociedade em direção a um mundo mais igual para homens e mulheres.
A auto-organização das mulheres constrói uma prática feminista na Universidade e no movimento estudantil, e é fundamental para combater todas as expressões do machismo. Organizadas em coletivos feministas e no movimento estudantil, as mulheres estão em luta para combater a desqualificação, o assédio e a violência contra as estudantes na vida universitária.
Neste EME, reafirmamos a compreensão de que o machismo enfrentado cotidianamente na universidade não está desconectado da opressão do conjunto das mulheres sob o capitalismo. Esse sistema se apropria das desigualdades de gênero e raça, assim como intensifica a discriminação com relação a sexualidade. O processo de mercantilização, característico do neoliberalismo, também está na universidade e organiza a produção de um conhecimento ainda machista. As parcerias publico-privadas e as leis de propriedade intelectual potencializam esse processo. As indústrias farmacêuticas, de alimentação e de cosméticos financiam e direcionam suas linhas de pesquisa, contribuindo para a manutenção do padrão de feminilidade e opressão das mulheres.
A inserção das mulheres no mercado de trabalho continua marcada pela desigualdade, que se expressa, principalmente, nos salários em média 30% inferiores aos dos homens. Apesar de comporem atualmente 55% das universitárias no Brasil e de ter elevado seu nível de escolaridade, as discriminações permanecem. São necessárias transformações estruturais na sociedade para superar a opressão e construir igualdade para todas as mulheres.
Em uma conjuntura de crise global, as mulheres, sobretudo as negras e jovens, são as primeiras a sofrerem os impactos dos rearranjos feitos para salvar o sistema. O aumento das demissões e o corte dos investimentos em áreas sociais penalizam mais as mulheres, que passam a acumular tarefas que deveriam ser garantidas pelo Estado. Soma-se a isso o fato de a pobreza ser maior entre elas, de ocuparem os trabalhos mais precarizados e de serem alvo fundamental de avanço da mercantilização expressa em seus corpos. O aumento da pobreza, da precarização trabalhista e da mercantilização de tudo quanto for possível intensifica a opressão. No receituário anti-crise da maioria dos governos observamos o envio de grandes volumes de dinheiro à empresas e bancos, a reafirmação do modelo de consumo e o endividamento dos mais pobres. Nenhuma dessas propostas é capaz de responder aos profundos impactos da crise sobre a classe trabalhadora. As mulheres dizem não ao avanço do capital e à diminuição do social, refletida na super-exploração do seu trabalho e nos negamos a pagar a conta de uma crise que não é nossa.
Frente a essa realidade, as mulheres reunidas no III EME-UNE, tendo como eixo o combate ao machismo no movimento estudantil e na universidade, destacam como prioridades para sua atuação coletiva:
As mulheres transformando a universidade
A ação das estudantes organizadas em coletivos feministas e no movimento estudantil terá como ponto de partida a denúncia das diversas expressões do machismo na universidade. Os rearranjos da divisão sexual do trabalho, a desvalorização das carreiras femininas, ligadas ao cuidado, e a falta de investimento nesses cursos são elementos centrais neste debate. A elaboração de políticas de assistência estudantil que contemplem as mulheres passa pelo reconhecimento dos obstáculos específicos da permanência delas na universidade. Assegurar creches, atendimentos de saúde, moradia, transporte universitário, alimentação e bolsas, com garantia de recursos específicos das universidades para tais políticas é central. A realização de campanhas sobre assistência estudantil, com corte específico de gênero nas universidades é fundamental.
A construção de uma universidade não sexista depende da defesa da qualidade da educação como um todo. Por isso é importante que as mulheres tenham uma leitura sobre as políticas educacionais e estejam organizadas para que estas contemplem sua demanda específica. A defesa do aumento de verbas para a educação, do papel social da universidade e do tripé ensino-pesquisa-extensão também é uma bandeira das mulheres.
A denúncia do direcionamento das pesquisas, financiadas por empresas privadas e voltadas para o mercado, combinada à crítica global à mercantilização da vida, deve ser uma tarefa cotidiana. Devemos buscar linhas de financiamento próprias para programas de pesquisa de gênero que visem identificar as dificuldades e problemas presentes na realidade das mulheres da nossa sociedade, elementos necessários a nossa luta pela superção dos preconceitos e do machismo. É preciso também garantir que as mulheres estudantes participem e contribuam na formulção desse programas. Além disso, é necessário incorporar disciplinas sobre gênero e a história das mulheres nos diferentes cursos de graduação.
Pelo fim do machismo no movimento estudantil
A auto-organização permanente é nosso principal instrumento para combater a desqualificação e a violência que as mulheres sofrem no ME, onde o machismo é existe e se reproduz, assim como na organização da nossa sociedade. O conjunto do ME deve se comprometer com o combate das práticas machistas. Apesar de sermos parte expressiva da base do movimento, as entidades representativas são compostas majoritariamente por homens. A UNE e as UEEs devem cumprir as cotas mínimas para mulheres nas direções. É preciso avançar na formulação da política de cotas, implementando-as tanto no pleno quanto na executiva das entidades e criar mecanismos que garantam seu cumprimento, como a obrigatoriedade de que as chapas apresentem o mínimo de 30% de mulheres no momento da inscrição e posse, assim como a inclusão das cotas no estatuto das entidades gerais. Devemos, também, estimular a criação de diretorias de mulheres na rede do movimento estudantil como um todo, para garantir a auto-organização das mulheres e, consequentemente, avançar na visibilidade das pautas das mulheres, e da perspectiva feminista na construção de politicas gerais do movimento estudantil.
Através dessas diretorias e das mulheres organizadas nos núcleos das universidades, devemos criar espaços de discussão ampliados, em conjunto com os companheiros do movimento estudantil, onde seja possível travar o debate sobre a questão da mulher e construir coletivamente a superação dos preconceitos no movimento e na sociedade.
Mulheres em movimento:
Em conjunto com o movimento feminista, as estudantes estão mobilizadas por bandeiras que avancem na superação da desigualdade e na conquista de liberdade e autonomia das mulheres. Estamos comprometidas com a construção da Frente contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto nos nossos estados e repudiamos a possível instalação de uma CPI do aborto.
O próximo período será marcado por duas Conferências Nacionais que exigem grande mobilização da sociedade civil organizada para a transformação democrática e igualitária de nossa sociedade. A Conferência de Comunicação, espaço privilegiado para disputar a democratização da mídia, é fundamental na luta das mulheres contra a mercantilização dos corpos e todas as outras opressões que vivemos cotidianamente, uma vez que a mídia é essencial na formação/produção das subjetividades moldadas pela cultura hegemônica. Nossa participação organizada na Conferência da Educação é central na luta pela superação do machismo na Educação Superior. Participaremos ativamente deste processo para garantir a incorporação da perspectiva feminista nas definições dessas conferências.
Os acúmulos e compromissos do EME serão expressados em uma semana de ação feminista nas universidades de todo o país, indicada para setembro. Será um momento privilegiado para o debate da agenda feminista e para a luta política das mulheres por igualdade e autonomia.
Belo Horizonte, 03 de maio de 2009.
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