segunda-feira, 19 de março de 2012

Mulher e mídia: uma relação desigual


Tania Montoro
Em sociedades fortemente audiovisuais, artefatos culturais veiculados em imagem e som constituem um dos muitos itinerários por onde passam a construção de identidades individuais e coletivas e a conformação de imaginários. As relações de influência mútua entre mídia e representação da mulher constituem desafio para pesquisadores no sentido de fazer um balanço dos avanços e desafios para uma verdadeira equidade de gênero.
Produtos audiovisuais de ficção (filmes, telenovelas, peças publicitárias) são, de um modo geral, espelhos da(s) cultura(s) que os produz(em) e consome(m): refletem e retratam tendências, contradições, hábitos, crenças e atitudes. Desse modo, reforçam ou questionam padrões de comportamento, contribuem para a preservação (conservação) de práticas e costumes e, ao mesmo tempo, colocam em discussão pressupostos construídos pelas culturas das quais participam. Há um dinâmico jogo de forças que faz com que os grandes produtores e veiculadores de narrativas audiovisuais tenham, de algum modo, de atualizar o discurso de inovação que emerge no interior de sociedades complexas.
A mídia tende, por princípio, a privilegiar as posições da maioria, em geral, mais conservadoras. Entretanto, quando problematiza questões emergentes e as coloca em debate, mesmo tentando captar apenas as vozes hegemônicas dentre os muitos discursos produzidos em torno daquele tema, acaba favorecendo o surgimento de novas idéias.
Retratada como ineficaz profissionalmente e menos competente que os homens em todas as áreas que não dizem respeito ao trato doméstico, para a mídia a mulher ideal é branca, jovem, magra, linda, feminina, submissa, delicada e está irremediavelmente condenada à condição de objeto sexual, de esposa e de mãe. Frágil e indefesa, ela precisa de um homem que a proteja dos perigos do mundo; por isso, vive em função da busca do grande e definitivo amor de sua vida. O homem é a metade que lhe falta, complemento indispensável sem o qual não há identidade feminina ou realização pessoal (vale mencionar a velha figura da solteirona “mal-amada”, sinal de alerta para o fim que aguarda aquelas que não se empenham o suficiente na busca do seu par).
Em boa parte das narrativas audiovisuais de ficção, face mais importante do chamado mass media, o casamento é para toda a vida e filhos são conseqüência natural e obrigatória da vida a dois; o aborto é tema silenciado; casamento e filhos são apresentados, quase sempre, como única possibilidade de realização. Nesse contexto, o trabalho tem papel secundário — elas estudam, trabalham e se sustentam somente quando são pobres, solteiras ou abandonadas, não têm pai ou irmão para prover seu sustento. Ascensão social e poder são obtidos através do casamento com homens ricos e influentes, reproduzindo, na maior parte das vezes, o clichê “Cinderela.”
Nas ultimas décadas, entretanto, o cinema brasileiro e alguns programas da TV pública (destaco É a vovozinha da TV Brasil) tem se voltado a desvelar outras formas de representação do universo feminino. Filmes como Zuzu Angel; Eu, Tu, Eles; Carlota Joaquina – a princesa do Brasil; O Céu de Suely; Mulheres do Brasil; Vinho de Rosas; Senhoras; Banana is my Business; Alice; Do Outro Lado da Rua; Depois Daquele Baile; A Estrela Sobe; Pagu; Olga; Memórias de Elefante; Durval Discos; É Proibido Fumar; e muitos outros curtas-metragens (re)configuram a relação do país com a história cultural de suas cidadãs, debruçando-se sobre temas que mostram os impasses da modernidade; reinterpretam o caráter das novas relações afetivas e amorosas; revelam outro lado da subjetividade destas brasileiras, anônimas que estão longe do corpo malhado e escultural das decadentes peças publicitárias e programas de tevês que invadem nosso imaginário; da crescente e aprisionadora indústria de cosméticos e de cirurgias de implante de silicone e botox (sem qualquer segurança para saúde da mulher) e sem a aura de jovialidade como tradução de feminilidade, desejo e sedução. Enfim, uma luzinha no túnel!  

Tânia Siqueira Montoro é professora do Departamento de Audiovisuais e Publicidade, da Faculdade de Comunicação e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre violencia (Nevis/Ceam), da  Universidade de Brasília. Possui Graduação em Educação e Ciências Sociais, Especialização em Política Social e Mestrado em Comunicação, todos pela UnB. Mestrado Profissional em Comunicação e Mobilização Social-Tulane University New Orleans, Doutorado em Comunicação Audiovisual e Publicidade-Universidad Autonoma de Barcelona e Pós-Doutorado em Cinema e Televisão pela UFRJ. Consultora de organismos internacionais (Unifem, Unesco, Unicef, Pnud, OIT), tem experiência na área de Comunicação Audiovisual e Publicidade, com ênfase em Cinema, Televisão e Vídeo, atuando principalmente nas áreas: cultura, cinema, turismo, comunicação e mobilização social , estudos feministas e de gênero e estudos da mídia.

artigo publicado no portal da Universidade de Brasília em 8/3/2012

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