segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por uma internet livre (também do machismo!)


Bruna Provazi - Blogueiras Feministas

Nos dias 13 e 14 deste mês, foi realizado o I Fórum da Internet no Brasil. Organizado pelo Comitê Gestor da Internet na cidade de São Paulo, o evento contou com a participação de setores da sociedade civil, acadêmic@s e empresári@s. Sem caráter deliberativo, o evento tinha por objetivo levantar discussões a respeito da internet no Brasil, funcionando mais como um termômetro social para a atuação do CGI.
Logo na mesa de abertura, sentimos o início de um incômodo que se repetiria no decorrer do Fórum: dentre as 14 autoridades presentes, a única mulher era a deputada Manuela D´Ávila. Tuitamos sobre o problema em questão e, na sequência, a fala da própria deputada (talvez até impulsionada pelo sentimento da “opinião pública tuiteira”) girou em torno do assunto, reforçando que “ainda somos poucas na representatividade, mas somos milhares na luta pela comunicação”. Algumas das falas subsequentes também mencionaram a questão, tais como a dos deputados Paulo Teixeira e Ivan Valente. De fato, a ausência de mulheres na mesa de abertura é extremamente simbólico. Mas, até então (e com muita boa vontade), talvez fosse um pouco cedo para tirar maiores conclusões. Aguardamos…

Haviam seis espaços de debate durante a programação, intitulados de “trilhas”, com os seguintes temas:
Liberdade, privacidade e direitos humanos
Governança democrática e colaborativa
Universalidade e Inclusão Digital
Diversidade e conteúdo
Padronização, interoperabilidade, neutralidade e Inovação
Ambiente legal, regulatório, segurança e Inimputabilidade da rede
As trilhas eram abertas por quatro oradores (representantes do segmentos acadêmico, terceiro setor, empresarial e governo) e, em seguida, as pessoas podiam inscrever-se e tinham cinco minutos para expor suas opiniões e propor encaminhamentos sobre os temas.
Participei do evento enquanto militante da Marcha Mundial das Mulheres e como integrante do coletivo Blogueiras Feministas, o qual também estava representado por: Babi LopesJu PagulCynthia Semíramis, Jussara de Oliveira, Yaso, Fabi Motroni, Carine Roos e Lilian Starobinas. A maioria de nós optou por participar da trilha de “Diversidade e conteúdo”.
De início, estranhamos o fato de as falas, em geral, não abordarem o debate feminista, uma vez que, no próprio site do evento, constava como subtema da trilha “Garantia da diversidade cultural, de gênero e étnico-racial”. Então, como é preciso falar pra ser ouvid@, nos sentimos na obrigação de pautar esse debate e articulamos uma intervenção, ali na hora mesmo, que perpassou, mais ou menos, os seguintes pontos…
Sabemos que na sociedade existe a tal da divisão sexual do trabalho, que, através da construção social do que é o “masculino” e o que é o “feminino”, segrega as mulheres em determinados espaços que são desqualificados na sociedade. Exemplo: embora tenhamos avançado enormemente nos últimos anos, sobretudo devido à organização das próprias mulheres, no mercado de trabalho ainda há essa divisão das profissões “masculinas” e “femininas”, empurrando as mulheres pra determinados guetos e para profissões menos valorizadas (= menos remuneradas). No ramo das tecnologias de informação e comunicação não é diferente…
“Conforme dados apresentados pela Doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp Bárbara Castro, que desenvolve pesquisa para tese de doutorado sobre relações de gênero no mercado de TI, proporcionalmente, as mulheres têm uma remuneração em média 10% inferior aos homens, quando os dois têm o mesmo nível de formação. ´Na média, as mulheres têm um nível de formação muito superior aos homens. Elas estudam e se qualificam mais, enquanto muitos homens na área técnica não têm nem Ensino Fundamental completo´, afirma”. Continue lendo em Mesa redonda debate a participação das mulheres no mercado de TI do Feminino Livre.
Segundo o último senso da internet no Brasil, realizado pelo próprio Comitê Gestor da Internet no Brasil (promotor do Fórum), foi diagnosticado que as mulheres usam a internet, principalmente, para buscar informações sobre saúde e educação. Recentemente, o Facebook censurou conteúdos relativos à amamentação, por considerar “impróprios”, enquanto diversas comunidades homoafetivas também sofreram censura, devido a um suposto patrulhamento de cibercrimes, tais como a pedofilia. Do outro lado do muro, convivemos com a disseminação de conteúdos discriminatórios (e até mesmo criminosos) na rede, tais como a comunidade no Orkut “Estupro corretivo para lésbicas”.
Como bem lembrou a Ju:
“os sites, blogs e pessoas que se apropriam da internet e produzem e distribuem conteúdos de combate a homofobia, o machismo, o racismo, entre outros valores nocivos da sociedade, comumente são atacadas e ameaçadas. Várias mulheres sofrem ameaças, inclusive de morte. Esta também é nossa experiência vivida na internet, esta é nossa ciberguerra e é bem real”.
Daí fica um pouco difícil falar de “diversidade e conteúdo” sem abordar essas questões, né?
Então o fato de só haver uma mulher (e nenhum/a negr@, vale lembrar) na mesa de abertura começa a fazer sentido… Sobretudo somado ao fato de que, d@s 29oradores(as) confirmados para abrir os debates nas seis trilhas, apenas cinco eram mulheres. Nós feministas fazemos esse exercício de contar a quantidade de mulheres, porque tudo isso é bastante simbólico. E simboliza, no mínimo, que não tem muita gente preocupada com a inclusão das mulheres nesse processo todo liberação aí, não…
Foi um pouco a impressão que eu tive quando assisti ao debate “Música: a fronteira do futuro – criatividade, tecnologia e políticas públicas”, em setembro deste ano, o qual relatei no post “Liberdade, ou é para tod@s, ou é tudo por nada”.
É essa a sensação que temos, quando debatemos com a galera da música livre também, e que a Tica Moreno explicitou perfeitamente no texto “Um convite a ser mais livre”:
“a organização da música livre se dá em uma sociedade que ainda exclui e discrimina as mulheres, uma sociedade que é ao mesmo tempo machista, racista e homofóbica. E qualquer iniciativa que a gente tenha nesse mundo, aqui e agora, pode reproduzir, mesmo de forma inconsciente, desigualdades e discriminações que dominam as nossas relações, que são valores hegemônicos”.
Da mesma forma que a galera da cultura digital diz que não consegue pensar em software livre com Macintosh, a gente não consegue pensar em cultura livre e em internet livre se não forem livres do machismo também. Daí fica difícil não ser chata e repetitiva sobre o assunto, se a opressão continua a aparecer, chata e repetidamente, em quase todos os espaços, sejam eles mais ou menos “livres”.
Como o empoderamento é parte do processo de libertação das mulheres, e como o feminismo busca construir relações solidárias, dividimos a fala eu, Babi Lopes e Ju Pagul, e propusemos os seguintes encaminhamentos:
- Paridade no Comitê Gestor da Internet no Brasil e em seus fóruns.
- Formulação de políticas públicas para internet que busquem combater a desigualdade de gênero.
Ausentes possíveis objeções à nossa proposta, e visível o apoio na expressão de nossos interlocutores, saímos da trilha com a sensação de dever cumprido. Porém…………
Porém, no dia seguinte, durante o processo de sistematização das falas, nossa proposta havia desaparecido, misteriosamente, dos “autos” do Fórum. Por sorte, a Ju Pagul estava presente e, diante do ocorrido, procurou esclarecimentos junto à organização. Segundo informaram-lhe, o debate feminista havia desaparecido simplesmente porque deveríamos estar na trilha “liberdade”, e não “diversidade e conteúdo”. Ela solicitou, então, que a pauta fosse incluída. Tentativa número dois bem-sucedida, aguardamos o encaminhamento do processo.
Para nossa surpresa, durante a Plenária final, quando foi lido o conteúdo sistematizado de acordo com as intervenções em cada trilha, nossa contribuição havia sido reduzida a: “financiamento público para políticas que garantam diversidade de gênero”. E não dava nem pra dizer que foi porque, de certa forma, criticamos o Comitê Gestor da Internet, pois muitos dos pontos listados na tal sistematização geral giravam em torno de reivindicações a respeito de transparência e horizontalidade no próprio Comitê e no Fórum.
Aí confesso que foi uma enorme luta contra a preguiça se inscrever para reafirmar, pela terceira vez, sobre o quê realmente estávamos falando ali. (#cotonetenomachismo)
Bruna Provazi, Barbara Lopes e Ju Pagul no I Fórum de Internet do Brasil. Foto do Instituto Voz no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Mas vencemos a preguiça e a Ju fez uma ótima fala reforçando que não queremos apenas financiamos público, queremos representatividade quantitativa e qualitativa no CGI. E é por compreender que as lutas devem vir conjuntamente, que queremos ocupar esse espaço que foi aberto à sociedade civil. É porque acreditamos na potencialidade do Fórum que queremos discutir o feminismo dentro dele, para que possamos formular estratégias para alcançar a tão sonhada equidade de gênero – on e offline.
Escrevo este post como registro, esperando que o documento final do I Fórum da Internet no Brasil contemple não apenas a nossa bandeira feminista, mas a diversidade de questões que foram suscitadas no encontro. O canal da comunicação de tod@s para tod@s foi aberto com a chegada da internet, e, com ele, as promessas e desejos de democratizar também os meios. Portanto, nada mais coerente que seu principal fórum seja, de fato, democrático, plural e representativo.

Bruna Provazi

Militante feminista. gêmeos em libra. organizadora do Festival Mulheres no Volante. jornalista – e quem não é? provavelmente, a última pessoa que nunca assistiu a um clipe da lady gaga.

Fonte: http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=6381:por-uma-internet-livre-tambem-do-machismo&catid=99:opiniao-e-analise&Itemid=483

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